Como tenho má memória, tendo a associar eventos históricos a acontecimentos marcantes da minha vida pessoal. É assim que funciona a minha linha do tempo: nunca me esqueço que o Acordo de Paris foi selado em 12 de Dezembro de 2015 porque o meu filho mais novo completou um ano nesse dia. Nessa altura, quando quase 200 países concordaram em tentar limitar a subida da temperatura global a 1,5 graus Celsius – limite que já começámos a ultrapassar –, ainda estávamos a começar a falar da associação entre clima e saúde.
E como é que eu me lembro disso? Porque tive a oportunidade de entrevistar Christiana Figueres, a diplomata porto-riquenha que liderou as negociações do famoso acordo, semanas antes da Cimeira do Clima das Nações Unidas em Paris (COP21). A entrevista gravitou à volta dessa relação que, finalmente, se torna cada vez mais óbvia: o ambiente que nos rodeia condiciona profundamente a saúde e o bem-estar das pessoas.
"Um novo acordo universal sobre as alterações climáticas trará inúmeros benefícios para a saúde, mas não precisamos de esperar por Paris: agir em relação às alterações climáticas e optar por um desenvolvimento sustentável tem benefícios muito claros para a saúde pública", dizia-me Christiana Figueres em 2015.
Passada quase uma década, o Conselho Português de Saúde e Ambiente (CPSA) envida esforços para que o binómio clima-saúde não seja esquecido no nosso país. O observatório científico criado pelo CPSA apresenta esta quinta-feira, em Lisboa, um relatório com cerca de 200 páginas que mapeia as fragilidades, os riscos e as oportunidades que Portugal apresenta nos diferentes domínios em que a saúde humana se entrelaça com a saúde ambiental e animal (estas três esferas sobrepõem-se e formam, de facto, "uma só saúde").
O relatório reitera que é urgente ter em mente a crise climática não só quando se tomam decisões no ministério da Saúde (e noutras tutelas), mas também quando pensamos as políticas públicas nacionais e locais, a formação dos profissionais de saúde e a gestão de hospitais e unidades de cuidados primários (estruturas que são, elas mesmas, responsáveis por uma fatia considerável de emissões de gases com efeito de estufa).
Apesar de os factores ambientais serem responsáveis por uma em cada quatro mortes no planeta, segundo a Organização Mundial da Saúde, o documento do CPSA sugere que Portugal não está preparado para enfrentar os efeitos da crise climática. É preciso capacitar o sistema de saúde para planear respostas para uma nova pandemia, para as doenças e os problemas que a crise climática amplifica e, por fim, para catástrofes.
Os fenómenos climáticos extremos, como ondas de calor ou grandes fogos florestais, já estão a ocorrer com cada vez maior frequência e intensidade – enquanto escrevo estas linhas, aliás, as chamas consomem parte da Califórnia e já causaram cinco mortes. A mudança do clima exige respostas robustas do sistema de saúde que devem ser planificadas à luz de uma nova realidade, defende o CPSA. A crise climática é também uma emergência de saúde pública.
O ano passado foi o mais quente das nossas vidas. Em 2024, foram registados 219 fenómenos extremos. O Observatório Mundial da Água calcula que os extremos climáticos mataram 8700 pessoas no planeta. Estima-se que as alterações climáticas tenham acrescentado 41 dias de calor perigoso ao calendário da humanidade. Em Portugal, especificamente, foram 20 dias. Testemunhámos duas ondas de calor. Eu poderia continuar, mas não quero que este texto termine num tom pessimista.
Quando estivermos em 2035 e eu olhar para trás, quero muito poder associar 2025 ao ano em a 30.ª Cimeira do Clima – agendada para Novembro em Belém, no Brasil – abriu caminho para uma redução drástica da queima de combustíveis fósseis. Se um acordo inaudito, com consequências reais, tiver lugar no país onde nasci, isto será suficiente para este ano ficar gravado na minha memória.
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