Sistema de saúde precisa de se preparar para efeitos da crise climática, diz relatório

Observatório Português de Saúde e Ambiente divulga esta quinta-feira, em Lisboa, relatório que mostra como o país está a negligenciar o impacto do clima na saúde humana. Faltam dados e planeamento.

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O Relatório Saúde e Ambiente 2024 passará a ser publicado anualmente Nelson Garrido
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O sistema de saúde português precisa de se preparar para enfrentar os efeitos das mudanças ambientais, incluindo uma nova pandemia e catástrofes climáticas, refere o primeiro relatório do Observatório Português de Saúde e Ambiente (OPSA). O documento é apresentado esta quinta-feira, a partir das 18h, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

“Estamos a atravessar um período de vulnerabilidade e precisamos de capacitar o sistema de saúde para planear respostas para uma nova pandemia e para a crise climática. Precisamos de um Sistema Nacional de Saúde forte, mas também temos de saber articular com o sector privado”, afirmou ao PÚBLICO Luís Campos, presidente do Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA) e coordenador científico do relatório.

Devido a uma crescente proximidade entre humanos e animais selvagens, o risco de novas pandemias tende a aumentar. O OPSA refere que “a próxima pandemia resultará provavelmente de um evento zoonótico causado por um vírus introduzido nos humanos por mamíferos, incluindo morcegos (que albergam a maior proporção de vírus zoonóticos entre os mamíferos) e roedores, ou por aves”.

De acordo com o sumário executivo (o documento integral não foi facultado), o relatório que será apresentado mapeia ao longo de cerca de 200 páginas as vulnerabilidades, riscos e as oportunidades que Portugal apresenta em várias áreas em que a saúde humana se cruza com a saúde ambiental e animal.

O relatório sublinha, por exemplo, que a monitorização dos factores ambientais determinantes da saúde humana “ainda é muito escassa”, sendo “crucial” a existência de plataformas com “dados abertos e transparentes”. A disponibilização deste tipo de informação permitiria desenhar políticas nacionais e locais que entrelaçassem clima e saúde. O próprio CPSA promete, aliás, criar “este ano” um portal com dados actualizados sobre as relações entre saúde e ambiente.

“Divórcio” entre saúde e ambiente

As políticas de saúde em Portugal continuam “quase totalmente divorciadas” das questões ambientais e precisam ainda de estar “mais acompanhadas das evidências científicas”, defende Luís Campos, em declarações por telefone. O relatório refere, por exemplo, que o Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) 2030 “ignorou considerações sobre o domínio da saúde e ambiente”, apesar da intervenção do CPSA no período de discussão pública.

O relatório cobre não só os efeitos do ambiente e do clima na saúde – incluindo as ondas de calor e a poluição do ar, da água e por plásticos –, mas também acções de mitigação e adaptação climática, envolvendo os próprios profissionais e unidades de saúde.

Dividido em seis partes, a última secção do relatório é dedicada à importância de incluir conteúdos sobre estes domínios nos currículos de formação de pré e pós-graduação dos profissionais de saúde. Um estudo da Associação Nacional de Estudantes de Medicina mostra, por exemplo, que apenas 37,5% das escolas médicas ensinam sobre o impacto das alterações climáticas na saúde cardiovascular.

O relatório passará agora a ser publicado todos os anos.

Combater desperdício

Figuram ainda no documento referências a boas práticas de sustentabilidade no sector, que vão desde a gestão da cantina hospitalar à escolha dos gases anestésicos.

O Observatório apela ainda a práticas mais sustentáveis no sector da saúde, que deve promover a eficiência energética, a reutilização de produtos clínicos seguros (através da alteração da actual legislação “obsoleta”) e o combate ao desperdício alimentar. “É fundamental haver uma melhor comunicação entre a cozinha hospitalar e o paciente para evitar desperdícios”, afirma ao PÚBLICO Susana Paixão, professora do Instituto Politécnico de Coimbra, que está entre os quase 100 especialistas que colaboraram na elaboração do documento.

O desperdício alimentar nos serviços de saúde corresponde a 20 a 30% do total de resíduos produzidos, “variando num intervalo de 17 a 74%”, um valor “muito superior” ao desperdício registado em outros serviços de restauração, refere um excerto do relatório dedicado aos biorresíduos, para o qual a docente da Escola Superior de Tecnologia de Saúde de Coimbra contribuiu.

Susana Paixão sublinha ainda que, à excepção dos restos de comida provenientes das alas associadas a doenças infecto-contagiosas (que devem seguir para incineração ou receber um pré-tratamento antes de serem tratados como resíduos urbanos), “os restantes resíduos alimentares podem e devem ser valorizados”.