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Melhorar as “casas-caixão” é uma tarefa quase impossível em Hong Kong
Mais de 200 mil pessoas em Hong Kong vivem em apartamentos subdivididos ou “casas-caixão”: cheiro a mofo e percevejos em Verões escaldantes incluídos.
Já se sabe que as casas são muito apertadas em Hong Kong, centro financeiro da Ásia. A razão prende-se com factores como os preços elevadíssimos dos imóveis, mas uma única casa de banho e uma cozinha partilhada por quatro famílias seriam um desafio em qualquer lugar do mundo.
"É tão pequeno; é mesmo inconveniente viver aqui", descreve Xiao Bo, reformada de 60 anos, sentada na cama enquanto come bolinhos caseiros em cima de uma mesa desdobrável, num espaço minúsculo decorado com papel de parede cor-de-rosa e uma prateleira de sacos coloridos.
É solteira e optou por usar apenas o primeiro nome. Diz que só tem recordações "dolorosas" do andar dividido e desarrumado onde vive há três anos, mas não tem dinheiro para um apartamento melhor.
Mais de 200 mil pessoas em Hong Kong vivem em apartamentos subdivididos como o dela: cheiro a mofo e percevejos em verões escaldantes incluídos.
A antiga colónia britânica, classificada como a cidade mais inacessível do mundo pelo 14.º ano consecutivo pela empresa de estudos Demographia, tem uma das taxas de desigualdade mais elevadas do mundo.
Em Outubro, Hong Kong prometeu adoptar novas leis que estabelecem normas mínimas de espaço e segurança para os apartamentos subdivididos, onde cada residente vive numa área de cerca de 6 metros quadrados em média — ou seja, metade do tamanho do lugar de estacionamento de um sedan.
O objectivo é “regular” para que “o mercado forneça apartamentos com o que pensamos ser um padrão razoável e habitável", disse na altura o seu líder, John Lee.
Hong Kong tem como objectivo eliminar os apartamentos subdivididos até 2049, uma meta estabelecida em 2021 pelo responsável máximo da China que supervisiona a cidade.
Pequim vê as dificuldades de habitação como um grave problema social que ajudou a alimentar os protestos em massa contra o governo em 2019. As autoridades planeiam aumentar a oferta de habitação pública para reduzir o tempo de espera pelos apartamentos públicos, que actualmente é de cinco anos e meio, afirmando que identificaram terrenos mais do que suficientes para construir 308 mil unidades de habitação pública na próxima década.
O problema da habitação em Hong Kong é um dos principais pontos da agenda do governo, afirmou o Departamento de Habitação numa resposta escrita à Reuters. Na mesma missiva, afirmou a determinação "em erradicar as unidades subdivididas abaixo das normas".
Desde Julho de 2022, cerca de 49.000 requerentes foram alojados em habitações públicas para arrendamento e cerca de 18.400 unidades de habitação transitória foram disponibilizadas para alojamento imediato e de curta duração, informou o mesmo gabinete.
Ainda assim, os cerca de 110 mil apartamentos subdivididos de Hong Kong tornaram-se famosos pelas rendas elevadas, com um preço médio de 50 dólares de Hong Kong (6,23 euros) por metro quadrado, segundo um inquérito realizado em 2022 pela organização não-governamental Society for Community Organization (SoCO).
Para as chamadas casas-caixão, cada uma com o tamanho aproximado de uma cama de solteiro, a taxa ainda mais elevada, cerca de 140 dólares de Hong Kong (perto de 17,40 euros).
"Tudo o que espero é conseguir rapidamente uma habitação pública", diz Wong Chi-kong, 76 anos, que paga cerca de 359 euros por um espaço com menos de cinco metros quadrados. A casa-de-banho fica mesmo ao lado da cama e debaixo do chuveiro. "É tudo o que peço. Ámen", acrescentou. Wong guarda todos os seus pertences do outro lado da cama para evitar que sejam salpicados quando toma duche.
Usa uma bengala para se deslocar, tem baixa visão (com tendência a piorar) e passa a maior parte das suas tardes de Verão numa biblioteca pública para escapar ao calor abrasador que o aprisiona em casa.
No entanto, há quem considere que Xiao Bo e Wong são sortudos: há dezenas de milhares de casas-caixão que não são abrangidas pela nova legislação. Estes espaços sem janelas são ainda mais apertados, mas suficientemente grandes, com 1,4 a 1,7 metros quadrados, para as pessoas dormirem e guardarem alguns objectos pessoais.
Mas a falta de ventilação obriga-os a deixar abertas as pequenas portas de correr das suas casas, negando-lhes qualquer vestígio de privacidade. Também partilham casas de banho com mais de 20 pessoas.
"Como as camas são de madeira, há aqui muitos percevejos", diz Leung Kwong Kuen, 80 anos, acrescentando que "o insecticida é inútil" para os erradicar. Leung geria uma fábrica na China continental antes da crise financeira asiática dos anos 1990, mas agora, afastado da mulher e dos dois filhos adultos, vive numa casa-caixão em Hong Kong, que regressou ao domínio chinês em 1997.
"Acredito no budismo; deixar ir, o passado é passado", diz. "O mais importante é que, por agora, ainda consigo fazer duas refeições e ter um sítio para dormir."
Os apartamentos subdivididos e as casas-caixão estão geralmente localizados em edifícios residenciais obsoletos em zonas comerciais antigas, permitindo acesso aos locais de trabalho e às escolas.
Honk Kong tem cerca de 7,5 milhões de habitantes no total e, desses, perto de 1,4 milhões dos vivem na pobreza. O número de agregados familiares pobres aumentou para 619.000 no primeiro trimestre de 2024, cerca de 22,7% do total, segundo a organização sem fins lucrativos Oxfam.
SoCO solicitou que a nova regulamentação fosse alargada às casas-caixão.
“Este tipo de casas é a vergonha de Hong Kong", afirmou o seu director adjunto, Sze Lai-shan.
Os Serviços de Habitação informaram que o Ministério da Administração Interna toma medidas rigorosas contra os apartamentos com camas não licenciados.
Sum, solteiro de 72 anos, vive numa casa-caixão há três anos, pagando uma renda mensal de 2500 dólares de Hong Kong. Um cartaz do Ano Novo Chinês afixado na porta da sua casa diz: "Paz e segurança onde quer que vás". Objectos pessoais, como uma televisão na plataforma onde dorme, ocupam metade do espaço de Sum.
Sum esteve sem abrigo e dormiu debaixo de um viaduto durante um ano. "O mais importante é ter um tecto sobre a minha cabeça, não me preocupar com queimaduras solares ou com a chuva", disse Sum, que quis usar apenas o apelido.
Chan, 45 anos, que paga uma renda de 2100 dólares por mês pela sua casa de dois metros quadrados, disse esperar que a habitação pública lhe permita finalmente escapar aos percevejos. "Candidatei-me em 2005", disse. " Estou à espera há 19 anos."