Facilmente encontramos nas prateleiras das nossas livrarias títulos como "A verdadeira história de…", ou “Factos escondidos sobre…”, que prometem revelar mistérios nunca desvendados. A maioria torna-se best-sellers e atrai leitores ansiosos por descobrir aquilo que até então ninguém fazia ideia. Mas será que podemos colocar esta literatura na secção de História, ou serão apenas produtos comerciais que exploram o fascínio popular pela narrativa histórica, sacrificando o rigor científico em nome do lucro?
Muitos destes autores não possuem formação académica em História, isso não seria uma limitação se admitissem que não estão a produzir conhecimento histórico. O que distingue estas ficções da historiografia é o método, ou seja, a capacidade de analisar criticamente as fontes, de compreender os limites do conhecimento histórico e de admitir que nem tudo pode ser conhecido.
Ao contrário dos historiadores, que trabalham com um quadro metodológico rigoroso, estes escritores frequentemente recorrem a teorias especulativas, argumentos seleccionados para justificar a sua ideia e conclusões sensacionalistas que em nada se assemelham a um estudo histórico.
As palavras "verdade" e "história” na mesma frase são geralmente problemáticas. A História não oferece certezas e, perdoem-me alguns, nunca o irá fazer. O passado só pode ser reconstruído a partir de fontes disponíveis e isso implica lacunas, incertezas e diferentes interpretações. Porém, muitas pessoas sentem dificuldade em lidar com o carácter incompleto do conhecimento histórico. É precisamente esta lacuna que as obras de qualidade duvidosa exploram, pois oferecem narrativas simples, fechadas e emocionais que prometem preencher os vazios e dar ao leitor o conforto das certezas.
Essa tendência não se limita às livrarias. Nas redes sociais e plataformas de entretenimento também observamos a popularização de conteúdos que pouco se relacionam com História. Os posts que partilham "curiosidades históricas" tornam-se rapidamente virais, apesar da ausência de verificação das fontes ou de contextualização adequada.
Este problema reproduz-se em canais televisivos, como o Canal História, que dedica a sua programação a teorias de conspiração e a conteúdos fantasiosos, como a relação entre extraterrestres e civilizações antigas, em vez de investigações históricas legítimas. Isto vende bem. Como resultado, o público é bombardeado com mitos e desinformação que moldam uma visão distorcida e irrealista do passado.
Enquanto isso, a verdadeira historiografia enfrenta dificuldades para competir. Livros que adoptam métodos rigorosos, analisam criticamente fontes e discutem diferentes interpretações raramente chegam às massas com o mesmo ímpeto. Não porque sejam irrelevantes, mas porque exigem do leitor um esforço intelectual acrescido e uma postura crítica.
Perguntar-me-ão: mas como combater esta desinformação? É realmente complicado. Existe algum conforto em ler “segredos nunca antes revelados”, admito, mas isso não é história, é ficção. É difícil e desconfortável para o ser humano aceitar que simplesmente não sabe, por isso estas obras, que oferecem certezas, vendem tão bem
Historiadores como Umberto Eco mostraram que é possível, mesmo no romance, aproximar o público das realidades históricas, respeitando os limites entre ficção e pesquisa. As suas obras, como O Nome da Rosa, ou A Ilha do Dia Antes, envolvem o leitor numa narrativa cativante e inventada, mas ancorada em contextos historicamente precisos, revelando uma coexistência curiosa. Obviamente, isto também não é história. O próprio autor diferencia claramente os seus trabalhos historiográficos e os de ficção. Não obstante, em último caso, prefiro retirar informações científicas dos romances de Eco do que de obras historiográficas que contam as “verdades” ou os “segredos ocultos”.
Assim, desafio os leitores a questionar o que consomem, a identificar os interesses por trás das narrativas e a valorizar trabalhos que, mesmo sem prometer "verdades", oferecem reflexões sólidas sobre o passado. A História nunca será uma ciência exacta, nem tem de o ser, mas exigirá sempre um método para garantir o seu rigor científico.