Iliteracia, políticos e Adília Lopes

O poder municipal ficou indiferente à morte de uma poetisa que descreveu Lisboa, e em especial o bairro de Arroios, como ninguém.

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Os resultados desoladores da iliteracia da população portuguesa não particularizam as profissões. Mas uma observação atenta aos discursos políticos, salvo singulares excepções, revela realidades identicamente decepcionantes.

A vulgarização do discurso político, sob o pretexto de chegar mais facilmente às massas, pressupõe que estas são estúpidas, básicas e iletradas. Os dados oficiais parecem assim dar razão às manobras populistas e revanchistas da política contemporânea.

Não se trata porém só de vulgarização, mas de outra vertente bem mais insidiosa que é a agressividade das palavras, que não pode ser entendida apenas como “conversa fiada”. Um dos contributos mais significativos para entender o nazismo foi o do filósofo Victor Klemperer, que estudou a linguagem política e a sua manipulação como meio de propaganda, incorporando-se na mentalidade e no modo de se expressar do povo alemão. Esta análise ao horror das palavras do passado encontra múltiplas ressonâncias no discurso político extremado de hoje, por isso a sua brutalidade e barbárie não pode ser desvalorizada, nem confundida com assertividade, franqueza ou liberdade de expressão.

Vem isto a propósito da morte de uma poetisa portuguesa, Adília Lopes, que sabia o valor político das palavras, fazendo uso da observação da banalidade da vida, conforme evocou a comovente homilia do cardeal Tolentino de Mendonça, reiterando que “Adília Lopes interessa à cidade, é um manifesto exposto à cidade", pois que "ela ajuda-nos a pensar, a ver”.

É certo, Adília Lopes descreveu como ninguém, em inúmeros poemas, a sua cidade e em especial o bairro de Arroios, onde viveu todos os 64 anos da sua vida, bairro que também a conhecia bem e que viverá sempre na memória de muitos de nós, seus vizinhos. Significativamente, a quem Adília não interessa é à sua própria cidade, cujo poder municipal, em especial a presidente da junta de freguesia de Arroios, quiçá por afasia cultural ou outros afazeres políticos mais eleitorais, ficou silencioso sobre a sua morte. Nem as estafadas palavras circunstanciais se ouviram... não que Adília fosse apreciar qualquer discurso circunstancial, não dava pano sequer para um poema. Nada iguala a tristeza de um poeta que parte, mas a pobreza cultural de quem nos governa também nos mata a esperança todos os dias.

Diz assim Adília Lopes, sobre a padeira do seu bairro, a Dona Nazaré:

“Quando aparecia alguma freguesa a lamentar-se dos manhosos e manhosas deste mundo, a Dona Nazaré dizia:

Dar ao desprezo.

É o que há a dizer. Mais nada.”

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