Natureza natural
Vinte e quatro horas depois das cheias de Valência, de 29 de Outubro, escrevi: esquecemos muitas vezes a natureza, aquela coisa que é sempre natural, mesmo que às vezes pareça louca. Acrescento agora que o Homem também é natural e faz parte integrante do bioma Terra, e ainda, o que me disse um sociólogo/jornalista: “Na Sociologia dizemos que não há desastres naturais”.
Antes de mais, Portugal dos brandos costumes é um território naturalmente perigoso. Sim, um território muito mais perigoso do que muitos outros. Recordo que o maior sismo da história da Humanidade, de que há registos, é o de 1755 em Lisboa. Depois temos tudo o resto, exposição atlântica, grande variabilidade geológica e climática, etc. Acontece que a ocupação de zonas perigosas por parte do Homem, também é natural, sempre assim foi e sempre assim será; essas zonas são as que dispõem de mais e melhores recursos para a nossa vida (solo, água, altitude, … e até paisagem).
Chegados aqui, o risco só existe exatamente porque há pessoas e ocupação humana, infraestruturas etc., nesses lugares. Uma cheia onde só esteja o rio não tem qualquer risco. Assim, todos temos de saber que, mais tarde ou mais cedo, uma eventual ocorrência será a realidade. “Apenas” não sabemos o quê, quando e onde. Resta-nos estarmos preparados. Estamos? Não. Nestas alturas, a tão apregoada prevenção, a mais das vezes existe apenas no papel dos múltiplos e variados planos que abundam a todas as escalas. Basta pensar naquilo a que assistimos frequentemente com o fogo, a prevenção nunca é como deve ser. Também já sabemos que, em emergência, os meios nunca são suficientes; acresce ainda o erro/falha humana, designadamente ao nível da tomada de decisão e da coordenação – além da impreparação técnica e incompetência. Acrescento também que a ocorrência é, desgraçadamente, o grande palco de políticos e de uma enorme corte de atores dos quais, felizmente, se passa grande parte do tempo sem se dar contas e que, nestas crises, aproveitam para gritar que existem e que são necessários mais uns jipes e uns casacos amarelos.
É neste contexto que cada cidadão é obrigado a saber o que fazer e que os alertas precisos têm de ser considerados. Acontece que nem uma coisa nem outra assim é. Os portugueses mais pobres, dramaticamente em número crescente, têm, como se compreende, outras preocupações, nomeadamente a sopa na mesa. Os restantes, porque também são portugueses, pensam “o que tenho eu a ver com isso?”. No que respeita aos alertas, a coisa não está melhor, caiu-se no exagero de lançar um qualquer alerta porque vai chover e as criancinhas não devem ir à escola. A regra é, à cautela, alertarem-nos por excesso, o resto já sabemos.
Prevenir é incontornável para os autarcas, designadamente com intervenções estruturais, e educação dos cidadãos para o cumprimento de um dos principais deveres do Estado: a segurança das pessoas, bens e território.
O que se passou em Valência, uma contingência natural naquela geografia, como prova a história, não podia ser diferente. Para que fique totalmente claro, as consequências serão iguais onde quer que chova o que choveu em Valência, naquelas poucas horas. Fazemos alguma coisa enquanto é tempo?
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico