Áreas de Reserva Ecológica onde se poderá construir são “inaceitáveis”, alerta associação Zero

Associação Zero denuncia que o novo diploma que prevê a construção em solos rústicos não assume como excepção áreas “absolutamente críticas” de REN. Impermeabilização do solo também é um problema.

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Ambientalistas assinalam que "a impermeabilização do solo, associada à urbanização, é um dos principais factores de degradação" Dmitri Zelenevski/GettyImages
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A associação ambientalista Zero considera "inaceitáveis" as tipologias de áreas de Reserva Ecológica Nacional (REN) que foram excluídas do novo regime de excepção onde se poderá vir a construir habitação, e alertou para a impermeabilização dos solos.

As áreas estratégicas de infiltração e de protecção e recarga de aquíferos, que são relevantes para a sustentabilidade do ciclo hidrológico terrestre, as áreas de elevado risco de erosão do solo e as áreas de instabilidade de vertentes, que servem para prevenção de riscos naturais, são as tipologias de áreas de REN que, segundo a Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável, "ficaram fora do regime de excepção" que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial e "onde se poderá vir a construir habitação ou ter lugar outros usos complementares".

"Há em todo o país vastas áreas com estas características que motivaram a sua inclusão na Reserva Ecológica Nacional, cuja preservação é indispensável, e que não tem qualquer sentido serem destruídas ou impermeabilizadas", afirmou a Zero, em comunicado, considerando que as áreas REN onde legislação permitirá construção "são absolutamente críticas".

REOT destaca “necessidade de preservar solos rústicos”

A posição desta associação ambientalista surge no âmbito do Relatório do Estado do Ordenamento do Território (REOT) de 2024, elaborado pela Direcção-Geral do Território e que esteve em discussão pública até sexta-feira, dia 3 de Janeiro.

O REOT é um instrumento "essencial" para avaliar a implementação do Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), analisando diferentes áreas, entre elas o solo, realçou a Zero, referindo que este documento de 2024 destaca a necessidade de preservação dos solos rústicos, revelando que a "área aumentou ligeiramente, em contradição com a pretensão da nova legislação".

Em comunicado, a associação ambientalista refere que a nova legislação que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (decreto-lei nº 117/2024), permitindo a construção em solos rústicos mediante deliberação municipal, tem recebido "uma forte contestação de diversos especialistas, de vários sectores da sociedade civil e também de organizações não-governamentais como a Zero".

Riscos da impermeabilização dos solos

O REOT de 2024, segundo a ZERO, afirma que o solo é um recurso natural não renovável essencial para os ecossistemas, sendo crucial preservar a sua integridade, e "a impermeabilização do solo, associada à urbanização, é um dos principais factores de degradação", que compromete funções como produção de alimentos, regulação do ciclo da água, captura de carbono e suporte à biodiversidade.

Entre os dados deste relatório, a associação ambientalista realça que, em 2018, mais de 90% do solo no território continental português permanecia não impermeabilizado, mas em municípios metropolitanos como Porto, Lisboa e Amadora, essa proporção era inferior a 60%, com o Porto a apresentar o menor valor (43%).

Em causa está a classificação de solo como rústico nos Planos Directores Municipais (PDM) e a sua protecção por regimes como a Reserva Agrícola Nacional (RAN) e a Reserva Ecológica Nacional (REN), para preservar áreas aptas para usos agrícolas, florestais e conservação da biodiversidade.

Decreto-lei com “pouca aplicabilidade”

Na perspectiva da ZERO, os dados do REOT indicam que "para muitos municípios, nomeadamente aqueles onde as necessidades de habitação são mais prementes, o decreto-lei tem pouca aplicabilidade e, portanto, é dispensável".

Segundo a associação ambientalista, os mesmos dados referem que, entre 2015 e 2023, 74% dos municípios mantiveram a área de solo rústico inalterada, mas, ao contrário do que se pretende com a nova legislação, 49 municípios expandiram as suas áreas de solo rústico, verificando-se que a área total de solo rústico no território continental aumentou em 17.303 hectares, representando um acréscimo de 0,2%.

Quanto ao REOT, apesar de apontar "muito aspectos positivos", a ZERO considera que há "várias lacunas e oportunidades de melhoria", referindo que o relatório peca, por exemplo, pela falta de reflexão crítica sobre políticas públicas.

Solos em discussão na AR

Na passada quinta-feira, 14 deputados do Bloco de Esquerda, PCP, Livre e PAN pediram a apreciação parlamentar do decreto-lei que possibilita a reclassificação de terrenos rústicos em urbanos, aprovado pelo Governo no final de Novembro. Como explicou a líder do BE, Mariana Mortágua, em conferência de imprensa, o objectivo dos partidos à esquerda do PS passa pela revogação da lei. Porém, a revogação ou suspensão da entrada em vigor deste diploma necessitará do apoio da maioria dos deputados na AR, sendo que ainda não existe nenhuma data agendada para a apreciação parlamentar requerida.

BE, PCP, Livre e PAN corresponderam, com este pedido, ao repto lançado esta quinta-feira pela arquitecta e antiga deputada Helena Roseta, num artigo de opinião publicado no PÚBLICO.

Na promulgação do diploma, também o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, classificou a mudança do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial como um "entorse significativo em matéria de regime genérico de ordenamento e planeamento do território, a nível nacional e local", segundo a nota que acompanha a promulgação do diploma. Ainda assim, deu luz verde ao decreto-lei, alegando "urgência no uso dos fundos europeus e no fomento da construção da habitação".