Olá.

A ideia era escrever sobre a relação entre Squid Game e a bolsa de valores. (Soa malzito? Renovamos votos de tentar que seja interessante e indolor.) E depois, quinta-feira à noite, um impasse de seis horas, saído de um western se pensado por Jonathan Nolan e metesse uma simulação da vida real em 2025, pôs tudo em perspectiva. O Presidente destituído do país de onde veio Squid Game, e também outras histórias bem melhores sobre a gritante desigualdade de classe que é parte estrutural da sua sociedade, está a ser investigado por insurreição, por ter imposto a lei marcial há um mês. Esteve mesmo para ser detido na madrugada desta sexta-feira (hora portuguesa).

Só os militares e a guarda presidencial da Coreia do Sul impediram as autoridades de deter o Presidente destituído Yoon Suk Yeol, e isto depois de este ser alvo da protecção de uma espécie de guarda pretoriana do século XXI: "conhecidos youtubers de extrema-direita e padres cristãos evangélicos", como se lê no PÚBLICO. Se isto não dava uma série, não é certo o que dá. Provavelmente dará um daqueles documentários Netflix em minissérie ou que numa hora e vinte minutos explica com muitas imagens de noticiários, reconstituições com hashtags e néons, a versão para totós de um episódio ominoso para 2025.

Em 2024, uma parte inusual da dieta de streaming por trás do Próximo Episódio fez-se desse tipo de programação, com foco nos cultos, nos casos de violência sexual, violência reprodutiva, mais cultos, seitas e movimentos tão absurdos quanto fascinantes, nascidos algures entre os anos 1970, a religião instituída e a última década a dançar no TikTok. No que toca ao tema cultos e sua omnipresença nas plataformas, é um novo nível de abandono do espectador. É um abandono que acompanha o abandono dos protagonistas de tudo o que conhecem em prol da simplicidade, em troca de deixar que tudo nas suas vidas seja decidido por terceiros.

Todo este caminho para voltar ao princípio, Squid Game e sua segunda temporada — que, caso seja útil saber, não há aqui qualquer intenção de ver porque a primeira já foi demais e o concurso nela baseado, o prego no caixão do filão. Squid Game é importantíssimo, claro. Porém, a segunda temporada não será grande coisa, a avaliar pelas críticas de espectadores e profissionais, e isso teve um efeito financeiro.

"As acções relacionadas com Squid Game caem mais depressa do que os concorrentes", escolheu o Korea Times para título. Ui. Deve doer. Não à Netflix, que teve mais um recorde estreia da segunda temporada da série, mas ao mercado num país que já tem, digamos, mais problemas do que aqueles com que consegue lidar. Especialmente porque Squid Game é soft power, uma chama de vitalidade criativa de um país que já mostrou na música, na cosmética e nos dramas que é "uma cena". Eis senão quando, o relâmpago não atinge o mesmo lugar de exaltação duas vezes.

Um detalhe importante é que as acções que caíram como moscas são as das empresas que têm o protagonista da série, Lee Jung-jae, como maior accionista: a distribuidora e promotora de cinema Artist United Inc., bem como outras do sector que investiram na primeira, como a Wysiwyg Studios Co. Há ainda a sócia sul-coreana da Netflix, a Dexter Studios Co., que também viu o valor dos seus títulos cair na ordem dos 24%.

É um daqueles casos em que um fenómeno-surpresa tem meios para crescer, mas não consegue dar o salto narrativo e, mesmo agarrando espectadores, vê a sua bolha de entusiasmo planetário murchar aos bocadinhos. Ainda assim, não temais, porque a terceira e última temporada chega este ano à Netflix. Que nunca se diga que perante a ideia de se deter e cumprir um qualquer regime de contrição, a Netflix se encolhe. Os seus exércitos algorítmicos, os seus fãs fanáticos e os seus contratos pré-aprovados não param perante ninguém. Nem as evidências.

Feliz 2025.

Netflix

Sexta-feira, 3 de Janeiro

Wallace & Gromit: A Vingança das Aves — O Jorge Mourinha já disse tudo o que importa saber sobre este regresso em grande de Nick Park e Merlin Crossingham depois de uma ida ao estúdio Aardman. Um gnomo com vontade própria, um pinguim vingativo…

Terça-feira, 7 de Janeiro

Jerry Springer: Lutas, Câmara, Acção — No trailer desta minissérie de dois episódios alguém diz que espera que esta seja a última vez que tem de falar deste tema. Quem assistiu, primeiro à distância e depois em versão compactada portuguesa ao The Jerry Springer Show sabe que o telelixo nasceu algures entre aquele palco e o seu apresentador. A série explora o lado previsível de destruição causada pelo programa e os limites do entretenimento.

Quarta-feira, 8 de Janeiro

Perfil Falso — "Alguém anda a matar os homens mais atraentes da Colômbia" e esse alguém é um catfish: um perfil falso, o de "Camila Román", leva as vítimas até ao homicídio. Mas há uma verdadeira Camila que quer dissociar-se deste imbróglio e que ao mesmo tempo também tem o seu ex do Tinder a ajudá-la e a trazer o sexy de volta aos mistérios em que alguém será esquartejado.

Quinta-feira, 9 de Janeiro

O Despertar do Oeste Americano — Nunca ninguém recuou aos séculos fundadores da América… Esperem, isto não é verdade. Agora, Pete Berg (senhor Friday Night Lights) atira-se a uma série passada em 1857 que consiste numa "dramatização fictícia e uma análise violenta da colisão da cultura, religião e comunidade enquanto homens e mulheres lutam e morrem pelo controlo desta terra". Protagonizado por Taylor Kitsch, claro, com Betty Gilpin, Dane DeHaan, Saura Lightfoot-Leon, Derek Hinkey, Joe Tippett, Jai Courtney, Preston Mota, Shawnee Pourier e Shea Whigham. Seis episódios.

The Upshaws — Sexta temporada da série em que Mike Epps é o pai numa família afro-americana de classe operária de Indianápolis. Com Kim Fields, Gabrielle Dennis e Wanda Sykes, continua a enfrentar em formato sitcom temas genéricos como a saúde, o trabalho, o amor e a família.

Max

Sexta-feira, 3 de Janeiro

Crimes Gone Viral –  Primeira temporada de (mais) uma série que nos faz perguntar: porquê? "Imagens emocionantes de raptos, arrombamentos, perseguições de carros e outros crimes acumulam milhões de visualizações, mas as histórias por detrás destes crimes muitas vezes nunca são contadas – até agora. Esta série leva os espectadores aos crimes mais chocantes que se tornaram virais." Max, talvez isto seja televisão, e não seja HBO.

Domingo, 5 de Janeiro

A Flor do Buriti — Um drama realizado por João Salaviza e Renée Nader Messora que percorre três épocas da história do povo krahô, uma comunidade indígena que vive isolada no interior de uma floresta brasileira, através do olhar de uma menina. O espectador testemunha a perseverança de um povo que luta pela preservação do seu modo de vida.

Quinta-feira, 9 de Janeiro

SAS Rogue Heroes – Temporada dois da série sobre as tropas britânicas na II Guerra Mundial, desta feita apanhadas na Primavera de 1943. Inspirada no livro e bestseller homónimo de Ben Macintyre.

Sons Of Ecstasy – Novo documentário, mais um talvez, desta vez sobre o Arizona dos anos 1990 onde grande parte do fabrico de ecstasy se fazia. O corretor da bolsa inglês Shaun Attwood enfrenta o mafioso Gerard Gravano nesse mercado e "pela primeira vez, os Gravanos contam a sua versão da história".

Amazon Prime Video

Quinta-feira, 9 de Janeiro

Robot Selvagem — A fazer uma bela carreira nas salas de cinema, o filme de animação está disponível para venda. Um robô e um ganso bebé órfão. Está tudo dito.

SkyShowtime

Domingo, 5 de Janeiro

He Went That Way — Série com Zachary Quinto e Jacob Elordi em que se faz zoom num episódio da vida do assassino em série Larry Lee Ranes, que só não conseguiu matar uma pessoa. Mas quer muito.

Black Widow — Uma mulher, Dena Thompson, abusou dos seus três maridos a todos os níveis durante mais de 20 anos antes de ser apanhada e detida. Agora foi libertada da prisão e as suas vítimas decidiram contar a sua história completa. Todos os episódios disponibilizados no mesmo dia.

TVCine+

Quarta-feira, 8 de Janeiro

Wolf Hall: O Espelho E A Luz — É dia de série nova nos canais TVCine e Wolf Hall é daquelas marcas de prestígio que nunca falha. Série da BBC inspirada na trilogia de Hilary Mantel, termina aqui com o desfecho da história de Thomas Cromwell, o filho de um humilde ferreiro que se tornou ministro-chefe do rei Henrique VIII. Mark Rylance e Damian Lewis juntos, agora depois da morte de Ana Bolena. Entra em cena Jane Seymour. Seis episódios semanais e a primeira temporada está também no TVCine+.

Quinta-feira, 9 de Janeiro

30 Dias de Desejo — A outra série do menu, alemã e com temática de "crise dos 30". Freddy e Zeno estão juntos há 15 anos, desde o liceu, e dão o direito um ao outro de 30 dias de sexo com quem quiserem. A ideia é dela, ele é que arranca com o pé direito, numa autodenominada "melancomédia".

Filmin

Terça-feira, 7 de Janeiro

Operação Sabre — Em 2003, uma jornalista investiga o assassinato do primeiro-ministro sérvio com os riscos imagináveis. Baseada em factos reais, é uma série que marca a semana na plataforma.

Perdido no streaming

Este é tanto um caso de streaming quanto de cabo. The Serpent Queen está a passar nos canais TVCine e está também no TVCine+. E na semana em que se vai estrear o regresso de Wolf Hall e em que chegou ao fim Uma Família Como a Nossa por aqueles canais, o zapping ou o clicking podem e devem levar ao papel de Samantha Morton na era da rainha Isabel de Inglaterra, mas do lado francês. Lutas dinásticas, guerras civis, tudo com uma frescura que faz frente ao bafio daqueles interiores ornamentados, aos puritanos e huguenotes e outros arrebiques. Ela, a rainha serpente, Catarina de Médici, olha-nos nos olhos, quebrando a imaginária quarta parede, e explica-nos porque está a fazer os horrores ou os jogos que está a fazer, ou então engana-nos também com a mesma desfaçatez. É de ver.

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Até ao Próximo Episódio.